sexta-feira, 9 de março de 2012

Calça Amarela, por Neusa Rocha


Calça Amarela


            Após esperar uns bons minutos, finalmente o ônibus chega. Estou no Centro da cidade, é Sábado e está anoitecendo.

            Entro no ônibus, pago a passagem e sento, bem na frente, sozinha.

            Lá fora, diagonal à porta que está aberta, observo algo que clama por minha atenção: um casal, ou melhor, uma calça. Ou melhor, um rapaz franzino, moreno, bem penteado e limpo, que se sobressai na multidão, vestindo uma calça de cor amarela. Ele conversa com uma moça muito bonita, morena, de cabelos longos e encaracolados, que pouco fala e tudo escuta, sorrindo um tanto tímida, contudo receptiva à conversa, aparentemente, animada do rapaz engraçado.

            Dá para perceber, claramente, que ele, por sua vez, está agitado e até parece um bailarino a dançar na frente da jovem. É incrível, mas os pés não param de se movimentar! Veste camisa preta, calça amarela e um par de botas pretas, de bico fino, bem limpo e lustrado.

            O mundo a minha volta pára, olho a cena, lá fora, eles estão invisíveis e suspensos naquela hora mágica do lusco-fusco onde a tarde finda e até mesmo as formigas invertem o seu laborioso ofício, marchando à ré, direto para casa.

            Agora, eles já estão imersos na penumbra. Eu firmo o olhar e tudo o que posso ver, neste momento, é a calça amarela. A calça amarela do franzino homem de cabelos pretos, repartido ao meio, penteados com gel. O rapaz não pára de andar pra lá e pra cá. O efeito é cinematográfico. O rosto moreno, o dorso e os pés, todos pretos, se mesclaram com a noite. O rapaz está invisível, menos as suas pernas vestidas numa exibida calça amarela.

            Neste momento, eu só consigo ter olhos para o rapaz franzino e feio que continua falando e falando com a morena atraente de blusa branca, cabelos castanhos e boca sorridente pintada de vermelho- carmim.

            A calça de cor amarela é realmente algo fantástico, estou assombrada. Não pensem que é uma cor comum, não, é uma cor amarelo-ovo, muito forte, gritante, fosforescente e muito chamativa.

             Penso com alegre afeto na calça amarela, no jovem franzino e na moça tímida, que nem conheço, mas que me distraem de mim mesma. Eles tornam-me um pouco menos existencialista e muito mais divertida. Eu fico pensando o que move um homem jovem a entrar numa loja e dizer:

             - Por favor, eu quero levar aquela calça amarela.

            Penso, que ele bem que pode ter sido engambelado, ou apenas incentivado a comprar a calça pela simpática e talentosa vendedora. Mas, quem sabe, não foi o preço mesmo, que ele viu divulgado no jornal da banca da esquina: Somente hoje. Queima de Estoque: uma promoção imperdível! – sorrio imaginando a cena – Mas, e se é gosto mesmo? Pior, se foi gosto mesmo, nem discuto. Pois, que cada um tenha a calça que mereça e que melhor lhe provir, prego!

             Dando cordas a minha imaginação, vejo-o entrando na loja, um tanto desanimado, de repente, ao levantar o olhar vê a calça amarela. Vejo os seus olhos escuros faiscarem e tomado de súbita inspiração, sem experimentar, compra a calça. E, bem feliz, vai pra casa e veste-a com a sua melhor camisa e o seu único e bem cuidado par de botas de couro de bico fino.

             Ele se sente muito bem: - Quem sabe não tenha uma chance com aquela moça cheirosa, que veio do interior há poucos dias, colega de trabalho da irmã do meio - Vejo-o cantar, assobiar, passar gel d´água pós barba no rosto magro e pentear meticulosamente os cabelos com o pente fino empapado de mousse Fix Hair. Ele escova os dentes e gargarejando alto gospe na pia, secando a boca com as mãos, se olha no espelhinho do banheiro e muito satisfeito consigo diz, em voz alta: - Vai lá cabrão! - sorri e teso sai à rua em busca de ser o possível candidato ao coração da linda morena.

            Talvez, possa ser ela, a jovem atraente de cabelos castanhos encaracolados, tímida, de lábios pintados de vermelho- carmim e olhos cor de mel, bem ali, parada a sua frente, a sua noiva dos sonhos. Sim, porque homem também sonha: sonha em casar, em ter um ombro quente e amigo, uma mulher pra chamar de sua, uma família bem bonita pra caminhar juntos e bater uma bola na praia, um cachorro pra correr atrás das crianças, enquanto o casal ri e toma uma cerveja gelada. Sonhar não paga juros, na verdade, não custa nada. Ele sonha. Nervoso, resolve mesmo ir buscá-la após o expediente de trabalho para acompanhá-la de ônibus até o apartamento que ela divide com outras meninas.

            Sem pressa, volto toda a minha atenção para o ônibus, diagonal à porta, que está aberta, lá fora, continua conversando o rapaz franzino, a moça atraente e a calça amarela, que domina o ambiente a sua volta. A jovem mais solta, conversa com ele e ela nem parece perceber a calça amarela, berrante, que dança a sua frente, tão ridícula e contagiante. Ao contrário, percebo que ela está completamente hipnotizada pelo franzino, feio e dançante rapaz, metido, em sua brilhante, calça amarela.

            Mas, ao que parece a calça amarela esta funcionando muito bem, funcionando a favor do divertido rapazinho. Deveras, assim como uma lâmpada fosforescente atrai todas as "mariposas", a luz da cena, iluminada de amarelo, prende toda a minha atenção. Eu, agora, estou totalmente voltada para aquela misteriosa esfinge murmurante que parece dizer:

            - Decifra-me ou... Devoro-te! – suspiro sem respostas.

            O motorista e o cobrador, depois de tomarem um cafezinho na lancheria, sobem para o ônibus que já está quase lotado. O motorista, boa pinta, senta ao volante, fala com o cobrador, ri alto, liga o motor, me olha pelo espelho, engata a marcha rascante e sem nenhuma pressa fecha a porta do coletivo, manobra com habilidade e sai barulhento, me levando, por obséquio, para longe dali.

            Enfim, estou indo para casa. Não posso mais ver o curioso casal, então, volto o meu olhar para a janela que reflete uma imagem cansada, me olho cúmplice e intimamente sorrio, concluindo:

            - Talvez, eu, esteja precisando comprar uma Calça Amarela.



Obs.: O conto Calça Amarela é  integrante da antologia "A
Presidiária", resultante do evento Contos Curtos/2009.
Via Literária, Cidade de Porto Seguro - BA.





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